E
os primeiros bondes, quando aparecem aqui em São Paulo?
Em
1871, ao engenheiro Nicolau Rodrigo
Leite era dada a concessão, por 50 anos, para o “estabelecimento de uma linha
de diligencias por trilho de ferro entre o Largo do Carmo e a Estação Inglesa”.
Aquele engenheiro, porém, não aguentou com as despesas, e transferiu a
concessão à Companhia Carris de Ferro de São Paulo, organizada no Rio de
Janeiro. Só em 1887 foi inaugurada a linha do Brás, “partindo da estação seis
bondes enfileirados até o ponto final, que era a gare do Norte”. Instalando-se,
depois, outras linhas: uma, do Parque Dom Pedro II, passando pela Rua do
Glicério, ia bater no Largo do Cambuci, e diversas mais, ligando vários pontos
da cidade.
As
“diligências por trilho de ferro” obtiveram grande êxito e foram muito gabadas
pela população, na época.
O
serviço de bondes, propriamente ditos, puxados a burro, só se iniciou a dois de
fevereiro de 1872, na presidência de João Teodoro. Eram minúsculos, muito
estreitos e tinham comumente três bancos. Os maiores contavam com cinco.
Nos
últimos tempos da Monarquia, trafegavam 34 carros de passageiros e nove de
carga. Havia linhas para a Liberdade, Moóca, Brás, Marco da Meia Légua, Luz,
Santa Cecília e Consolação.
Os
carros abrangiam sete ou oito bancos, e eram puxados por um ou dois burros. “Os
cocheiros, pródigos em chicotadas, cujos golpes ruidosamente se repartiam entre
os animais e o anteparo metálico por trás do qual o funcionário se abrigava. Os
condutores, não menos pródigos em longos e chorosos toques de apito, que era o
instrumento que então desempenhava as funções premonitórias hoje atribuídas às
campainhas nos bondes e as sereias nos carros de assistência”.
A
empresa era a Companhia Viação Paulista, cujas iniciais CVP, pintadas nos
carros, eram assim, jocosamente, interpretadas pelo povo: “Cada vez pior”. E, de fato, não se pode dizer que o serviço fosse
uma maravilha. Tinha suas falhas como em todos os tempos. De vez em quando, um
daqueles morosíssimos veículos pulava da linha. Juntava gente para ver o
desastre. E era um trabalhão para pô-lo na linha.
Naqueles
tão ditosos tempos, comentava um cronista de então, os grandes passeios que
podiam se fazer de bonde eram dois, e tinham apreciadores habituais. Além
disso, aquilo era uma maravilha para quem vinha do interior tomar seu
banhozinho de civilização na capital...
A
primeira dessas excursões era o Marco da Meia Légua, ali assim pelos confins do
Belenzinho, na Estrada da Penha, atualmente transformada em avenida com
iluminação e calçamento. O Marco era uma espécie de recanto campestre, fora do
bulício da cidade. Havia por lá umas chácaras, numa das quais residia um alemão
pacato bonachão, o João Boemer. Tinha ele uma fábrica de cerveja, com um lugar
franqueado à sua freguesia, por sinal bem numerosa.
A
cerveja de fabricação do simpático João Boemer chamava-se “Cerveja da Penha” e
custava 500 réis a garrafa. Que maravilha! Mas pensam os leitores que a bebida
era um primor? Qual... Era uma garapa azeda como o quê? A turma bebia porque
não havia outro jeito. A estrangeira ou a do Rio – marcas Pá, Viena,
Franziskaner etc – era vendida na praça a um preço exorbitante. Só os ricos
podiam gozá-la: chegava a custa 1$500 a garrafa!
O
outro passeio era a “Volta da Consolação”. Assim se chamava o circuito que o
bondezinho de burro fazia pela Rua D. Maria Antônia, indo da Rua Veridiana para
a da Consolação, por onde regressava à cidade, e vice-versa.
A
Rua D. Maria Antônia – descrevem-na os que a viram – era um bonito pedaço de
estrada barrenta, ornada de vegetação exuberante e barranqueiras pitorescas. De
lá se avistava a cidade, ao longe. Vejam que distância... Ao longe, sim, pois
que nada ainda exista de Vila Buarque, como também não havia sombra de
Higienópolis, nem a rede de ruas que se estende entre as igrejas de Santa
Cecília e do Coração de Jesus.
Na
Rua D. Veridiana, um prédio chamava a atenção, apontado como o mais bonito de
São Paulo: era a mansão habitada por D. Veridiana Prado, paulista da velha
estirpe, muito querida e apreciada pelos seus dotes morais.
Na
Rua da Consolação, mais ou menos da igreja para cima, não havia calçamento, e
era toda ela enxameada de casinholas miseráveis, que iam rareando a proporção que
a gente se aproximava do Cemitério da Consolação, que ficava completamente fora
do perímetro urbano. Aquilo por ali já era mato. Basta dizer que, ao redor do
campo santo, havia uns capões densos e cerrados, de causar medo, onde se
escondiam bichos e onde o paulistano, nos dias de domingo, ia caçar perdizes...
Depois
do cemitério, estendia-se a velha Estrada de Pinheiros, verdadeiro sertão
bruto! Quem se arriscasse por ali tinha de ir bem armado. Do contrário, corria
perigo. De noite então, nem é bom falar. Não havia valentão que se atrevesse. A
coisa era de por os cabelos em pé.
Fonte: São Paulo dos nossos avós, de Raimundo de Menezes. Edição Saraiva, 1969.